quinta-feira, 31 de maio de 2007



Morreu ontem o cidadão do samba paulista.


As mãos, grossas, eram a marca da sua vida.

O Camisa Verde e Branco, a sua escola, preferida.


Conhecí-o nos batuques da Santa Cecília, altivo malandro da praça, batuta de primeira. Era o verdadeiro patriarca daquela história,e de muitas outras.





Na Barra Funda, Hélio Bagunça fez a sua história. Ganhou respeito e admiração entre os sambistas antigos e desde então tornou-se conhecido como o Tio preferido dos ritmistas, canários e versadores. Fundou cordões pelo centro, firmou as rodas do bairro, ajudou o nascimento e o crescimento de muitas agremiações, como o próprio Camisa e a recém Tom Maior.


Tio Hélio gostava de uma prosa acompanhada de um tanto de vinho. Ficava leve, contava tudo. Uns copinhos a mais e nêgo velho já se propunha à cadência divina dos passos soltos do seu samba. No seu último carnaval, viu de perto a sua escola ganhar o acesso e deixar de lado uma crise que havia se instaurado na Barra Funda há certo tempo. Enquanto bebericávamos uma cachaça, escondidos do pessoal da harmonia, ele maldizia a sua velhice, como quem despertara para a vida a poucos sambas do fim.





Sorridente e forte.


Incólume e sagaz.


Tio Hélio Bagunça, esteja em paz...

sexta-feira, 25 de maio de 2007

O PSDB e a Educação


No Estado de São Paulo o PSDB teve 12 anos de administração e terá 16 se o Governador José Serra cumprir o seu mandato. Durante 12 anos o PSDB também teve maioria absoluta na Assembléia Legislativa, ou seja, autonomia total da maquina estatal.
Todos os 621 colégios sob controle do Estado de São Paulo tiveram notas inferiores a 50 de uma escala de 0 a 100. A média geral das escolas estaduais da cidade foi de 38,42 (contra 52,81 de média das escolas particulares).Um total de 500 municípios do Estado de São Paulo dos 525 que oferecem ensino fundamental na rede estadual de 5ª a 8ª séries no Estado de São Paulo têm nota abaixo de 5, com média 4,5, pelos dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Segundo dados da própria Secretaria da Educação do Estado de São Paulo a repetência no fim do Ensino Médio em 1998 era de 3,6% e em 2006 a reprovação é de 17,8%.
Após 11 anos de administração do PSBD, fica clara a má qualidade dos alunos da Escola Publica Estadual. Portanto concluímos que os tucanos são um desastre na educação, certo?
O governador Serra mostrou que não basta ter índices medíocres e adolescentes saindo da escola como analfabetos funcionais, temos que piorar o ensino Superior!
No dia em que assumiu o Governo do Estado, Serra, baixou o decreto que tira a autonomia das Universidades Estaduais dando inicio a uma crise dentro da Universidade de São Paulo, com a invasão da reitoria por parte dos estudantes e funcionários, e greve em algumas Faculdades da Universidade. Para atingir o objetivo, construído por seus antecessores Covas e Alckmin, de arrasar o sistema educacional, no auge da crise, Serra, na calada da noite decreta o fim da divulgação de repasses ou bloqueios de verba as Universidades Estaduais, o que quer dizer que Serra, pode bloquear as verbas das Universidades sem a necessidade de publicação no Diário Oficial. Afinal o que quer o Governador?
Acredito que o recorde negativo nos índices educacionais e uma centralização de poder em suas mãos dando aos moradores do Estado o caráter de fantoches, o que os estudantes da USP se negam e se mostram como o grupo de resistência a um governo centralizador.Ah, mas se o Mário Covas tivesse vivo tudo seria diferente! Seria, com certeza, quem lembra da greve de 2000 sabe disso!

domingo, 20 de maio de 2007

Bento XVI, Chávez e o discurso histórico


Soberano e medieval, Bento XVI incorporou o peso milenar da antiga Igreja Católica ao celebrar a missa do dia das mães no Brasil e deixar escapar, em seu penitente discurso, as frases que suavizaram a participação da fé cristã no processo de colonização dos territórios americanos, no século XVI. Num eufemismo unilateral, o ex-cardeal pareceu não perceber que a história "oficial" dos países latinos, em que os personagens foram pintados, esculpidos e cantados como heróis da resistência e da liberdade, já foi superada por uma memória um pouco mais crítica e racional desse processo que dissecou o continente.

Por isso as reclamações de Chávez por um pedido de perdão do papa não foram tão extraterrestres quanto tentou nos informar alguns noticiários. Mais que isso, o discurso do venezuelano apresentou informações essenciais que nos dão a pista para compreendermos melhor a confusão de tempos históricos que se apresentam nesse caso célebre de briga entre ameríndios e colonizadores e as características do atual ciclo do capitalismo global, informatizado e rápido; apesar de representar um outro acúmulo de informações históricas relevantes, como a tradição marxista latino-americana da década de 70, Hugo Chávez soube aproveitar a falha do bispo de Roma para introjetar no discurso do europeu que parte da superada e viciada "História oficial" latino-americana se revelou traiçoeira e falsa. Isso nem as elites anti-Chávez/ Fidel/Morales podem duvidar; o processo de aculturação e de imposição política e social da colonização espanhola e portuguesa nas Américas foi feito sob um olhar imponente e ativo da Igreja Católica.

E o papa, ao condenar o uso da camisinha, o casamento entre homossexuais e mais uma lista muito singular de questões-chave do mundo de hoje, sabe de maneira clara e precisa os limites do debate que se abre com uma visita desse porte ao continente que serviu de laboratório-ambulante para os loucos das cortes mil que nos desposaram há muito. O seu papel diante do papado que se apresenta forte mesmo no irromper do século XXI é, portanto, manter o mesmo discurso que os católicos da Idade Média, com seus index e dogmas apenas em uma atualização necessária.

É a renovação de um discurso tão pesado quanto o anel de ouro que Ratzinger carrega em sua mão direita ou tanto quanto a lama indelével que faz pesar os suntuosos trajes dos religiosos da Sé romana.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Oito de Novembro



O dia começou chuvoso. Oito de novembro. Os ventos frios vinham me aguçar o arrependimento de ter deixado a cama quente em que há pouco eu era feliz. Nada é tão repulsivo quanto deixar a cama quente para que ela se torne fria com o passar das horas. Levanto. Meu objetivo é chegar ao ponto de ônibus o mais rápido possível sem que ninguém me veja; fujo do vento como quem corre da morte e as outras pessoas eu não vejo. Sigo. Passos rápidos e arredios rumo ao fim do dia, que me espera bem lá de longe [quando aceitamos a empreitada de viver o dia, buscamos o fim dele e apenas nos distraímos com o que se tem pra fazer para se chegar ao fim mais rápido]. Vejo que a cidade continua insossa. Se chove, ela fica caótica. Se faz frio, ela é cálida. Se há o sol, há poluição. Pelo menos com esse frio ameniza-se o amargo da poluição no céu. O ar fica um pouco mais pesado, menos marrom... mais cinza. Creio que pelo caminho insólito, cheio de esgotos e ruas pavimentadas, novas praças bonitas com seus velhos moradores, contei uns quinze homens e mulheres sem vida. Eles parecem que enchem meus passos de descompassos. Essas sem-vidas eu vejo. Não paro porque sou uma máquina, também não tenho vida como eles: sou um tanto parecido com essas caras mal lavadas e inchadas de pouco bafo de vida. Sou diferente porque não paro, não escuto suas vozes torpes, enlouquecidas com esse esquecimento da vida. Talvez esses corpos não esperem pelo fim do dia. Talvez a espera deles é pela noite, e aí sim podem ser homens e mulheres com vida, menos cinzas. Conto mais vinte e três no ponto do ônibus. São vidas deturpadas, mal vestidas, descabeladas; assim como eu, olham pro fim da avenida esperando o itinerário certo do que é certo pro fim do dia. Amontoam-se nas portas dos coletivos achando que vão entrar todos ao mesmo tempo. Como se fossem corpos a se fundir em uma massa só, e depois virar pizza ou coxinha da esquina. Não ligam pro quão bizarra é a cena que vos narro. São tantos quanto eu. Se há a brecha, chego mais rápido e embarco para o dia antes que os outros. Parece uma corrida de asnos para ver quem chega mais rápido ao fim do dia. Paro. Deixo um pouco de lado essas tarefas pueris de pensar e agir. Volto-me um pouco. Um retorno sempre é vitorioso. Chegar à minha cama seria deitar-me nela inda quente. Os passos rumo à volta são sublimes; conto um depois do outro, piso forte, olhar altivo. Chego até a achar que posso rir, tamanha decisão feliz e impensada que acabei de tomar. Rio, então. Alto. Gargalho. Babo. O que vão pensar de mim? Encosto-me numa esquina porque forças já não tenho mais pra rir. Esse sentimento de verdade se apodera dos meus atos. São vorazes. Invadem minhálma, ocupam essa terra já desvalida. O tempo é passado. Passam por mim e se entreolham. Não paro de rir. Nem um pouco. Não me contento em rir mais e mais alto e forçar o mundo que passa a olhar pra mim, sujeito qualquer. Sei que adormeci. Minhas costas já estão raladas pelo duro e concreto que é o chão. Devo estar ali há uns trezentos minutos. Não rio mais. Não espero mais. Não levanto mais.


(uma ode aos que moram nas ruas)