sexta-feira, 6 de julho de 2007

O triste fim de um desconhecido - contado por ele mesmo


(I)

[Imagino as tantas vezes
que lhe fui o confidente;
Penso nos sorrisos,
nos olhares vacilantes.
À meia distância fui sempre
o eu-mesmo de agora]


O jogo visceral da verdade
fez-me homem, portanto.

Por ora, resta-me insurgir contra esse mal
e contar-lhes parte dessa estória;

Sou o mísero profeta do meu próprio fim
Encarcerado, rogo-me para que eu mesmo
goste um pouco mais de mim.

(II)

E fui dar-me com os vadios do Baixo Glicério;
Andei às avessas com o dia,
Amei profundamente os sabores da noite.

Das olheiras conquistadas,
o motivo do meu apelido;

Famigerado infante soturno,
que -sorrateiro- caminha parabolizante
entre bares e mundrungos vociferantes.
Inda hei de meter-me num mal intermitente;
Sei disso muito antes que me alerte toda essa gente.

(III)

E a causa do meu infortúnio
eu alego:
foi um amor-perdido que me deixou demasiadamente cego;

Aos entes, queridos, escreví uma carta de despedida.
Aos lobos da noite, que brindam a minha partida,
dou-lhes o vinho e a cachaça;
façamos do amor o torpor
e do fumo a fumaça.

(IV)

Viagem insólita essa que lhes narro.
Passei por espelhos, chagas, choros, cigarro.
E entre as suntuosas avenidas,
entretantas lágrimas escondidas,
não encontrei nem um banco frio para me deitar;

as praças e as próprias guias ou calçadas
estiveram-me fugidias, todas impossibilitadas.

Fui negado não apenas pelos olhos vis da sociedade;
Fui negado ainda por crianças, árvores e pelo esgoto da cidade.

(V)

Mas o que é o fracasso
para quem tão cedo fenece?

De que lhe vale uma vida
se tampouco a merece?

Sei por essas andanças
que há tristeza de sobra neste mundo;
E que no fundo é uma semente ingrata

que brota, velada,
que cresce, veloz,
e que repentinamente


mata.


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