quarta-feira, 15 de agosto de 2007

NWR


À frente de um supermercado de fachada, curto e barato, ficam os negros dáfrica.
Nigéria, creio eu.
E passam lá o dia inteiro, encontros, discussões acaloradas, celular, maconha. Encontram em plena avenida são joão o doce refúgio de quem se desencontrou no mundo para se achar de novo, cá no trópico tupiniquim. Imigraram.
São vorazes uns com os outros, falam alto em rodas tensas. Gesticulam. Grandes e elegantes.

Eis, portanto, bem ao lado desse supermercado, uma semiloja que fica entreaberta e saem e entram os homens de lá. “N.W.R.”, lê-se na portinhola.
Outro dia espiei um pouco, deixei o olhar penetrar aquele ambiente curioso, mesmo que durante os breves segundos que atravessava o limite daquele espaço pluralmente geográfico. Ia para casa, e impossível era não passar por lá. Vi que abusavam do joguinho, dos tacos e das bolas coloridas. Bebericavam sob a névoa incessante de cigarros e riam uns com os outros. Riam e quase dançavam. Quase alegres.

Lá fora, ainda a presença ostensiva dos homens fortes com seus braços cruzados e roupas recentes. Diamantes. Muambas. Cocaína. Dizem de tudo aqui no centrão. Ora que eles estão clandestinos e que prestam serviços para a “firma” paulistana do crime; outrora, que são trabalhadores como tantos outros peruanos, nordestinos, coreanos, japoneses e chineses. Correm atrás do tempo da metrópole do subdesenvolvimento global. Trocam apenas a miséria de continente.

E os grupos que por lá se formam vão se espalhando pela longa avenida, histórica passagem de São Paulo. Hoje já posso contar mais três pontos que identifico como zonas autônomas de imigrantes africanos: o bar da praça Júlio de Mesquita, a bocada escura que é o boteco deles no início da General Osório e no coração da cracolândia, os edifícios antigos e sujos que se amontoam de gentes e gambiarras elétricas.

Disputam essa porção do bairro com os chineses, recentes também. Bem perto do “N.W.R.”, havia o “Jing You”, uma espécie de espelunca repleta de cerveja barata e mercadorias contrabandeadas. Era um supermercado-feira-açougue com baixa reputação higiênica, guardado por gatos que habitavam o setor de bolachas e guloseimas, o meu preferido. Um dia esperei a fila do caixa e me encontrei no meio de uma negociação repentina, de difícil entendimento, muito pouco provável para mim: a chinesa dona do local, que usava unhas vermelhas e cabelos iluminados, discutia ainda muito calma com um dos africanos de que vos falo. Ele balbuciava coisas enroladas e fortes. Ela apenas concluía, com cara de conclusão, “tlêis, tlêis, tlêis”. Fiz de conta que se entendiam. E se entenderam de fato. Pensei depois que ele podia estar ali em nome do movimento, cobrando ou pagando algo e que ela, toda chefona, dava os ombros para aquele tamanho de homem.

O “Jing You” hoje está com suas portas baixas, impedido por blocos de concreto e avisos da prefeitura. Política de imigração? Não, não. Assim como a cena indelével que vi ao voltar pra casa, como todos os dias: em frente ao “N.W.R.” os negros não faziam ponto, nem pregão. Não desfilavam celulares nem charutos ou bonés. Restavam apenas os braços e sutis fisionomias dos pretos enjaulados num furgão preto da Polícia Federal.
Deu até no jornal.

Um comentário:

Angelamô disse...

Tinto, meu caro
Tem um outro refúgio, um pouco pra lá deste centro centro que é daqueles com rosto avermelhados, cabelos lisos e compridos, vindos diretamente do el alto, parte alta de la paz.Como alguns de meus alunos, moraram em Buenos Aires antes de vir pra cá, em busca da metrópole menos árida para se viver. Quando não estão nas oficinas de costuras, você os vê numa feira muito linda de domingo. Vá lá. Parece que sim, São Paulo é a terra de muita gente!
Beijos, beijo